Já se passaram seis anos desde que Flávio Basso partiu deste mundo, mas sua obra continua a atrair cada vez mais admiradores e a gerar interesse do mundo da música. Um dos nomes mais cultuados da cena underground brasileira, o artista gaúcho que ficou eternizado com o nome Júpiter Maçã faria 54 anos nesta quarta-feira (26), data em que a famosa fita cassete gravada com os Pereiras Azuis enfim chega às plataformas digitais, depois de quase 26 anos.
O aniversariante volta a ter seu nome repetido não apenas por esse lançamento. Obras dele ou sobre sua trajetória estão disponíveis do grande público ou em vias de chegarem ao mercado. Se por um lado o Júpiter Day teve de ser adiado pelo aumento no número de casos de Covid-19, os admiradores podem se deliciar com álbuns novos, relançamentos, reedição da biografia em livro e até itens como camisetas e canecas chegando ao mercado.
O Júpiter Day aconteceria nesta quarta no bar Opinião, em Porto Alegre, com direito a shows ao vivo contando a trajetória de Flávio desde o TNT, passando pelos Cascavelletes, até a carreira solo. A programação também previa apresentação de DJs, sessão de autógrafo do livro e exposição de fotos e vídeos. A organização passou o evento para 17 de junho, a sexta-feira após o feriado de Corpus Christi.
O livro lançado sobre o artista em 2018, “Júpiter Maçã — A Efervescente Vida & Obra”, escrito pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt, ganhou uma segunda edição, com 100 páginas a mais, três cadernos de fotos, entrevistas e outros extras. A versão mais recente saiu do forno em novembro último, após uma campanha de pré-venda pelas redes sociais, e já fez sucesso similar ao da edição anterior.
As duas versões do CD “Uma Tarde na Fruteira”, para o mercado espanhol e para o brasileiro (lançados originalmente em 2007 e 2008, respectivamente) foram reeditadas no mesmo formato, em dezembro último. Vale lembrar que o trabalho foi lançado como LP em 2018, assim como o “Sétima Efervescência”.
Júpiter tem canções e até álbuns prontos espalhados por diversos lugares, com parceiros que reuniu ao longo da vida. Um dos trabalhos em vias de ser lançado é o álbum “The Man Was”. Em pré-venda na internet, o disco traz nove faixas inéditas e foi produzido por Egisto Dal Santo, o mesmo da “Sétima Efervescência”. Outro trabalho esperado é “Sugar Doors”, gravado em São Paulo no começo dos anos 2000 e que pode chegar ao público em 2022.
Também há previsão de lançamento de álbuns no exterior, como o “Hisscivilization”, que virá no formato LP. O produto deveria ter chegado às lojas da França em novembro passado, mas houve atraso na entrega devido à grande procura pela produção de discos de vinil, o que levou à falta de matéria-prima para os bolachões.
Os fãs ainda terão a oportunidade de comprar camisetas, canecas e bonés, entre outros artigos, com motivos de Júpiter Maçã. A Monstro Discos negocia os direitos e colocará as peças à venda “em breve”, como informou o proprietário da empresa, Leo Bigode. “A gente também pensa em reeditar o ‘Sétima Efervescência’ em CD”, disse.
A cultuada fita cassete que seria o embrião da “Sétima Efervescência”, álbum de estreia na carreira solo de Flávio, enfim ganha o mundo digital. A demo-tape “Júpiter Maçã e os Pereiras Azuis” agora pode ser ouvida em mais de 30 plataformas. Como novidade, o material traz as versões completas das canções “Miss Fab” e “A Mariposa”.
A fita com os Pereiras Azuis se tornou alvo de devoção dos fãs de Júpiter. É nela que estão as primeiras versões de “Miss Lexotan 6mg Garota”, “Essência Interior”, “O Novo Namorado”, “Pictures and Paintings” e “Lugar do Caralho”, entre outras que viriam a fazer parte do “Sétima Efervescência”. A demo-tape traz ainda “Não Há Amor Na Sua Alma”, que depois se transformaria em “As Tortas e as Cucas”, e “Kongha é Tomador de Panca”, que virou “Walter Victor”.
As músicas com os Pereiras foram gravadas no estúdio da Rádio Brasil 2000, em São Paulo, em 11 de maio de 1995. Há faixas que não foram parar no disco de estreia de Júpiter, como “Casalzinho Pegando Fogo” e “Hey Girl What You’re Gonna Do”. “Ela Sabe o que Faz” aparece em duas versões na fita, uma com os Pereiras e outra com Flávio tocando todos os instrumentos. Ele também fez todas as partes da versão de “Orgasmo Legal”, que completa o trabalho. As duas “faixas solo” foram gravadas nos Stúdios Signus, em outubro de 1994.
“A fita dos Pereiras Azuis é a demo remasterizada, com duas novidades. ‘Miss Fab’, que é da época dos Cascavelletes, só que agora na versão completa, e “Mariposa”, também na versão na íntegra, com 7’52” de duração. A gente teve acesso a uma cópia da fita e extraiu o som da melhor maneira possível”, afirma o diretor executivo do projeto, André Peniche.
O músico Lucas Hanke, que acompanhou Júpiter na estrada, assume a direção artística ao lado de Bruno Suman. O áudio original foi retirado da fita do acervo do músico Roberto Panarotto, da banda Repolho, de Chapecó, Santa Catarina. A remasterização foi feita por Julio Porto. Reinaldo Portanova preparou a capa a partir do modelo original.
Os Pereiras Azuis eram uma banda de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, formada por Ubirajara Guimarães (Bira), na guitarra, Rogério Campos, no baixo, e Luiz Wilfrido (Zito), na bateria. Tentando a vida na capital paulista, eles conheceram Júpiter no bar Persona, na Rua 13 de Maio, no Bexiga. Na ocasião, os integrantes se apresentaram vestidos de mulher. A postura e o som do grupo atraíram Flávio. Um mês depois, eles estavam juntos no estúdio.
“Nós já havíamos ensaiado quase todas as músicas. Só ‘Miss Lexotan’ que foi ensaiada no mesmo dia da gravação. Isso era a cara do Flávio, ele vinha com umas ideias repentinas. Aí, ensaiamos as músicas no apartamento que os Pereiras alugamos no centrão de São Paulo e fomos para a rádio ali pelo finalzinho da tarde, já quase noite”, afirmou Zito.
Depois de três shows, os músicos se separaram. Com o passar dos anos, a fita cassete se tornou artigo de adoração entre os seguidores de Júpiter. O baterista diz que foi ele quem ficou com a fita original, como presente do ex-colega de banda. Zito achava que o material ficaria no anonimato, mas passou a “se ligar” no potencial da demo-tape quando uma enquete no Orkut apontou que o trabalho era o segundo preferido em uma comunidade com 5 mil fãs do artista, atrás apenas da “Sétima Efervescência”. “Nunca imaginei que essas gravações que fizemos iriam um dia ter a repercussão que estão tendo”, disse Zito.
Flávio Basso, Woody Apple, Júpiter Maçã, Jupiter Apple. Oficialmente, esses eram os nomes pelos quais atendia o músico, mas uma alcunha em especial sempre foi lembrada e repetida pelos amigos: Man (homem, em inglês). E o trabalho que deve chegar em breve aos fãs tem o apelido no título: “The Man Was”.
O disco leva a assinatura de Egisto Dal Santo na produção. Foi ele quem pegou canções gravadas por Júpiter em 2013 e escolheu nove faixas para fazer o álbum. O disco será lançado em LP simples e já está em pré-venda pela internet.
“Ele deixou gravado na concepção de CD, com muitas músicas. Eu falei para ele que assim não ia dar. Disse: ‘vamos fazer um simples, mais barato’. É só material inédito e é um disco bonito, muito sentimental, tem muitas coisas pessoais”, afirma Egisto.
As canções são no estilo folk, que Flávio começou a desenvolver logo que saiu dos Cascavelletes, no começo dos anos 1990. O produtor entrega que há faixas com traços fortes de psicodelia. O LP deve ser lançado entre março e abril deste ano.
Como o registro foi feito sem as melhores condições técnicas, Egisto diz que teve de fazer uma “mágica para transformar o som”. “Usei efeitos dylanianos [termo referente a Bob Dylan, influência marcante em fases da carreira de Júpiter], efeitos dos anos 1960, como foi feito com o ´Sétima’. De certa forma, esse disco é como a ‘Oitava Efervescência’.”
Escrita pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt, a biografia “Júpiter Maçã – A Efervescente Vida & Obra” ganhou uma nova edição em novembro do ano passado, após pré-venda feita basicamente por WhatsApp, durante todo o ano de 2021. A produção só foi possível graças a uma intensa busca por parte dos fãs, que não encontraram mais a edição anterior. Para se ter uma ideia, é possível encontrar peças da primeira tiragem por até R$ 499,90 no Mercado Livre.
Bastos diz que a editora que lançou a primeira edição não soube trabalhar a distribuição e não permitiu que todo o público de Júpiter pudesse ter acesso ao livro. Foram produzidos 1,3 mil exemplares, em duas tiragens. Mesmo com a grande procura, não foi feita uma nova edição.
“Mas o livro, pela força do Júpiter Maçã, acabou se fazendo por si próprio. Ali tem as origens das bandas, a cena ao redor, muitos detalhes sobre os discos, shows e a vida dele. O livro é maior do que as falhas que aconteceram [de divulgação]. Como nem todas as pessoas [que gostam do artista] compraram, resolvi fazer de novo, mas agora de forma independente”, diz o autor.
Para a nova edição, foi feito um novo projeto gráfico, com mais fotos, dividindo a carreira de Flávio por períodos, e discografia atualizada, informa Pedro Brandt. E a campanha digital tem chegado a lugares afastados dos grandes centros, em todas as regiões do país.
“A gente se preocupou com aspectos que passaram batido na primeira edição. A gente também percebeu que as pessoas gostam de fotos, imagens, e colocou mais imagens. E sempre houve muita demanda pela figura do Júpiter”, declara Brandt.