Quebra de produção no campo por condições climáticas adversas e falta de rebanho emperram a ‘locomotiva’ da economia; safra recorde e dólar elevado no próximo ano geram otimismo por recuperação do crescimento
Há décadas o agronegócio é considerado a “locomotiva” da economia brasileira. O título de líder das atividades não é por acaso. Desde 1996, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciou a atual série histórica do Produto Interno Bruto (PIB), a produção do campo foi o motor da economia por 14 anos, contra cinco oportunidades cada para a indústria e a prestação de serviços (em 2016, todas as três atividades registraram queda, sendo a do setor de serviços a menos intensa). A força é tamanha que, em 2020, ano em que o PIB despencou 3,9% — o pior da história —, a produção das lavouras e rebanhos cresceu 3,8%, evitando uma queda ainda mais acentuada. Fenômeno semelhante ocorreu em 2015, quando o setor registrou alta de 3,3%, enquanto a economia doméstica naufragou 3,5%. Em 2021, no entanto, o país não vai poder contar com a pujança do campo. As condições climáticas adversas dos últimos meses, que inclui a pior seca em quase um século até o excesso de chuva, geadas e temperaturas negativas, afundaram o PIB do setor em 8% no terceiro trimestre na comparação com os três meses imediatamente anteriores, e foi fundamental para recuo de 0,1% da economia brasileira como um todo no período. O resultado foi o pior para os três meses encerrados em setembro desde o início da série histórica, e o mais baixo para a agricultura desde o primeiro trimestre de 2012, quando o setor desabou 16,6%.
O tombo ampliou a queda de 2,9% do segmento no segundo trimestre e intensificou a perda do protagonismo da produção rural na economia doméstica em 2021. A quebra de lavouras fundamentais para o agronegócio, somada à falta de boi gordo no pasto e a restrições para a exportação da carne brasileira para a China — o maior cliente do país —, criou um cenário perverso para o setor. Segundo dados do IBGE, o café vai liderar as perdas de produtividade neste ano, com recuo de 22,4%, seguido pelo algodão (-17,5%), milho (-16%), laranja (-13,8%) e cana de açúcar (-7,6%). “O clima derrubou a produtividade, tanto para grandes culturas que afetam muito o PIB, quanto para uma diversidade de outras menores, como os hortifrutícolas com peso individual menor”, afirma Nicole Rennó, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo (USP).
A falta de boi também contribuiu para o corte na produção do campo. Neste caso, o problema iniciou em 2019, quando as vendas para os chineses se multiplicaram. A exportação acabou tirando o produto do mercado interno, impactando diretamente no aumento no preço dos bezerros. A alta no valor do animal vivo fez com que os produtores segurassem as fêmeas para reprodução, desfalcando a fila para o abate. Segundo Gabriela de Faria, analista de agronegócio da Tendências Consultoria Integrada, o clima também agravou o quadro. “Já vinha um período de falta de animais, e com as geadas deste ano eles não conseguiram engordar”, explica. Ainda na questão animal, o embargo promovido pela China por restrições sanitárias fez encalhar toneladas de carnes nos frigoríficos e impactou drasticamente na exportação brasileira. Apesar de a decisão dos asiáticos ter sido tomada apenas em setembro, o peso que o país tem na absorção do agronegócio brasileiro foi o suficiente para impactar nos dados do trimestre.
Os dois períodos seguidos de dados negativos levou parte dos analistas a prever retração no PIB da agricultura em 2021, justamente no ano em que a economia deve crescer cerca de 5%, o maior salto em mais de uma década. Caso confirme, será o primeiro resultado negativo para o setor desde 2016. Por outro lado, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima que o setor cresça próximo de 2% neste ano. Para Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), ligada à CNA, a reversão do quadro negativo deve ocorrer já a partir do quarto trimestre deste ano, puxada principalmente pela alta de 26% da produção do trigo. “Se o clima não derrubar, acreditamos em um resultado positivo para estas lavouras do inverno. O setor de carne também está em ritmo de recuperação, o que gera demanda importante para o quarto trimestre”, explica.
Se o desempenho para as atividades rurais deste ano divide a opinião de especialistas, para 2022 é unanimidade que o agronegócio vai retomar o papel de protagonismo da expansão da economia. O otimismo é impulsionado pela expectativa de safra recorde de grãos, cereais e leguminosas, que deve somar 270,7 milhões de toneladas, conforme prognóstico do IBGE. Este número significa novo recorde na série histórica iniciada em 1975 e representa aumento de 7,8% em relação às estimativas de 2021, ou 19,5 milhões de toneladas a mais. O milho, justamente uma das safras mais prejudicadas em 2021, deve ser o principal responsável por este resultado, com alta de 11,1%, ou 2,8 milhões de toneladas. O desempenho recorde, somado à manutenção do dólar acima de R$ 5, deve ser fundamental para impulsionar a economia brasileira — ou, no pior cenário, evitar uma queda mais brusca — diante dos desafios que as outras atividades econômicas devem enfrentar no ano que vem em meio ao aumento dos juros e da inflação.
A Tendências estima que a economia doméstica avance 0,5% em 2022. A agropecuária deve liderar com alta de 2,7%, contra avanço de 0,8% dos serviços e queda de 1,2% da indústria. “Esse momento do câmbio é bom para exportação e abre uma janela de competitividade boa para os produtos brasileiros”, afirma Faria. Os estudos da Farsul caminham para a mesma direção e apontam alta estimada 2% do PIB do agro em 2022, acima do esperado para a indústria e para a prestação de serviços. “Se o clima não atrapalhar, devemos ter safra recorde, com o PIB agropecuário sendo o maior vetor de crescimento na economia no ano que vem”, diz Luz. O otimismo é compartilhado pelo governo federal. Na sexta-feira, 3, o ministro da Economia, Paulo Guedes, classificou a queda do agronegócio no terceiro trimestre como “acaso” e afirmou que o resultado vai ser dissipado pela economia.