A transformação de Regina Duarte

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Democracia permite que atriz se manifeste, mas poderia não demonstrar tanto rancor

Dida Sampaio/Estadão ConteúdoRegina Duarte ficou cerca de dois meses na Secretaria de Cultura do governo Bolsonaro

Quando a atriz Regina Duarte deixou a Globo para ser secretária especial de Cultura do governo Bolsonaro, o fato representava uma boa notícia, já que o setor cultural brasileiro caminhava para o abandonado. Regina Duarte seria, então, a salvação da área cultural, especialmente por ser uma grande atriz brasileira. Foi chamada para substituir Roberto Alvim, que havia sido exonerado por Bolsonaro. Mas em pouco mais de dois meses, Regina Duarte começou a ser humilhada pelo presidente no cargo, porque de tudo que tentava fazer na Secretaria quase nada era aprovado. Teve que sair, numa cena melancólica e constrangedora marcando sua despedida, com a promessa de que seria a presidente da Cinemateca, em São Paulo. Não aconteceu nada. Muitos saíram em sua defesa de maneira veemente, incluindo este colunista. Mas com o passar do tempo, foi-se reparando que não era bem assim.

Regina Duarte não seria a salvação de nada, e hoje vive desprezo especialmente por parte do público e da própria gente do teatro e da televisão que, em parte, passou a ignorá-la. Não há o que lamentar, infelizmente. Regina Duarte se mostra mesmo alguém incapaz de compreender determinados comportamentos desprezíveis. Pelo contrário: apoia. E apoia cada vez mais. Por isso, ela devia estar no governo atual, fazendo parte de tantas cenas inconvenientes que promove. Basta apenas lembrar dois assuntos recentes para revelar essa face de Regina Duarte que muitos desconhecem, mas que ela tem o direito democrático de mostrar a quem quiser. Só não precisa ser rancorosa.

Neste sábado, 20, Dia da Consciência Negra, a atriz ou ex-atriz, decidiu se manifestar sobre a data. Por meio das redes sociais, escreveu um texto criticando o feriado nacional e a reflexão sobre a participação do negro na sociedade brasileira, estendendo essa crítica à luta contra o racismo no país. A data foi escolhida por ser o dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares, um dos maiores nomes da resistência negra no Brasil, que lutou pela libertação dos escravos. Além de criticar a data, a ex-secretária de Cultura sugeriu a criação do “Dia da Consciência Branca”. Perguntou: “Quanto tempo vamos ainda nos vitimizar ao peso de anos, de séculos de dor, por culpas antepassadas?”. Num dos trechos de sua declaração, Regina Duarte amenizou um pouco, observando que “somos todos irmãos”. E observou que somos maduros e conscientes de nossa luta, irmanados na nossa capacidade de sermos humanos. Regina Duarte aproveitou a oportunidade e também criticou o distanciamento social para combater a Covid nos momentos mais críticos da pandemia, contrariando, como o presidente, a conduta dos médicos e dos cientistas.

Regina Duarte passou, então, a ironizar os planos para a realização do carnaval  no país. Sua mensagem diz: “Fecharam as escolas, não deixaram você velar seus entes queridos, te proibiram de trabalhar, de ir à igreja, de viajar, fazer atividades físicas e confraternização com sua família. Te proibiram de viver. E agora querem festejar o carnaval. Vai vendo Brasil, vai vendo!”. A ex-atriz observou que o protocolo que sempre foi criticado pelo presidente Bolsonaro privou as pessoas da maior arma de nossa imunidade, que é o Sol, a nossa vitamina D gratuita. Regina Duarte quer saber quem, agora, vai assumir os estragos na economia. Isso sem falar nos bares, teatro, botecos, cinemas, parques, sextadas, tudo isolado pela aquela ordem “fique em casa”. Segundo afirma a ex-atriz, esse “fique em casa” é uma determinação maligna.

Convém lembrar que Regina Duarte, quando no governo, se manifestou contra a vacinação, embora tenha se vacinado depois. Não é brincadeira. Regina Duarte é isso aí mesmo. No entanto, cada um tem o direito de ser o que deseja. Só não pode discordar do outro que tem uma postura diferente da dela. Aquela “namoradinha do Brasil” de anos longínquos, que chegou a visitar Cuba durante a ditadura brasileira, na verdade nunca existiu. Ou se existiu, foi se transformando ao longo dos anos e tornou-se então não se sabe exatamente o quê politicamente. Ela não quer distanciamento social porque deseja tomar sol. E defende a criação do “Dia da Consciência Branca”, numa dura manifestação contra os negros. No regime democrático em que ainda vivemos, a ex-atriz tem o direito de se manifestar assim. Mas poderia, pelo menos, não demonstrar tanto rancor.   

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.





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